quarta-feira, janeiro 12, 2005

A melhor parte

O pretexto era a festa de aniversário do Passarinho, a sua casa o local escolhido...Uma pequena terra na margem sul, lá para bem longe onde o sol chega mais cedo, e onde nenhum habitante da linha de Cascais ousa ir. Vale de Milhaços de seu nome.
O cenário estava montado…
À mesa com alguns dos meus amigos mais chegados, conferenciávamos sobre o destino de férias deste ano. Um camarão entre Amesterdão, outro entre Copenhaga… Era o petisco, o ambiente estava bom. Os seis magníficos todos juntos, os laços sentiam-se. As férias fazem disto. Uma espécie de remake das aventuras do Clube dos Sete em versão moderna.
Os camarões iam desaparecendo a bom ritmo, até que alguém se lembra de proferir a seguinte frase: “Então não comem as cabeças do camarão? É a melhor parte….”.
O Pintainho (Passarinho de dia, Pintainho de noite) levanta e bem a seguinte questão. Porque é que as melhores partes do alimento são sempre aquelas que ninguém come?
Analisamos levemente o fenómeno, e passo aqui a dissecar com mais detalhe.
De quando em vez, o meu pai, na presença de um frango no churrasco e já no final da refeição, decide aconchegar o estômago vasculhando os últimos pedaços na caixa de plástico. As assas, pernas, coxas e peitos são nada mais que um amontoado de ossos distribuídos pelos vários pratos. Até que descobre o pescoço do pobre bicho, e pergunta com um ar deveras surpreendido: “Então ninguém come o pescoço? É a melhor parte”.
Para ele, o Pescoço está para o Ouro, como o resto do frango está para o Pirite (Ouros dos tolos)…um verdadeiro garimpeiro.
Já não vou na cantiga. Desde que descobri que a cenoura não fazia os olhos mais bonitos e o espinafre não fazia a pila crescer…Aliás, agora que me lembro bem, quase todos os alimentos que não gostava em miúdo faziam a pila crescer…segundo a vasta sabedoria do meu progenitor.
Ouvia atentamente e mesmo não gostando, comia de tudo. Penso que os 21cm não se devem a isso.
Por isso, Pai, é natural que ponha em causa algumas coisas que dizes, não leves a mal. Deixou marcas...
A minha Avó no outro dia foi lá jantar a casa. A ementa consistia num belo peixe assado no forno. O final do repasto aproximava-se... Na travessa restava, uma posta e uma cabeça que namorava a minha avó, ou ela namorava a cabeça…Mas à distância, um namoro secreto, que parecia impossível aos olhos dela. Até que a minha mãe, apercebendo-se do romance diz: “Ó mãe, não quer mais?”. No seu jeito peculiar de quem não quer abusar, e achando que todos cortejavam o seu amor, responde timidamente que sim. E diz mais… “Aceito sim, a cabeça é a melhor parte do peixe”.
A melhor parte Avó?? Gosto muito de ti…mas tens que diminuir as doses….Só faltava dizeres que o cu do frango é a sua predilecção favorita.
Enfim…Existem inúmeros exemplos de certos alimentos, que contêm, escondido nos seus recantos, sabores mágicos do além.
Será que os melhores chefes do mundo andam a dormir… Iguarias deste calibre desprezados…
As ovas de esturjão, o vulgo caviar, já ganhou o seu espaço…Bem como os tomates do boi, os ovos da Codornizes, a língua da vaca ou mesmo os intestinos do porco.
A melhor parte anda por aí, cabe a vocês descobrirem.
Da próxima vez, quando tiverem um caracol pela frente, olhem para ele como se fosse um escargot e experimentem a sua casca, façam o mesmo com o Ananás, com as patas do frango…Sejam criativos e exclamam bem alto, “Esta sim, é a melhor parte!”
Abraços e Beijos
Rabbit

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