quarta-feira, maio 18, 2005

O hábito faz o monge

Fez algumas semanas, que a Joaninha me confidenciou a aquisição de uma pequena maravilha tecnológica: Uma escova de dentes eléctrica. De imediato pensei: "Been there, done that.”
A Joaninha tem 25 anos e está neste momento a passar pela sua fase da escova de dentes eléctrica… Tardio, pensei eu, mas adiante. Como bom amigo que tento ser, tentei viver o episódio como se fosse meu.
Ouvi atentamente, enquanto ela divertidamente enumerava as vantagens de tal aparelho. Por momentos revi-me nas palavras dela, enquanto recuava no tempo, lembrei me da excitação que foi com a minha primeira escova de dentes eléctrica.
De início é uma história de amor… pensamos para nós: “ O que andei a perder estes anos todos…isto é bem mais fácil….nem tenho que mexer a mão, que cómodo.” E pensamos mais: “Nem sei como ainda existem pessoas paradas no tempo, com aquelas escovas antiquadas….que demodé.”

Tal como eu, enquanto ela alimentava esta ideia, observava pelo canto do olho a sua antiga escova, entristecida e esquecida entre os restantes consumíveis da higiene diária. O lugar central na prateleira/bancada deixava de ser seu, preterido por uma pilinha eléctrica. Sentia-se um sabonete azul e branco, rejeitado por um gel duche qualquer com cheiro a pêssego.
Após a estreia, os dias seguintes são passados a passar a língua pelos dentes, regozijando a elevada qualidade da limpeza. Admirando a capacidade de penetração nas zonas mais difíceis. Não haverá tártaro que escape a esta máquina demolidora.
Tal como numa relação de amor, o início é sempre um conto de fadas, onde as qualidades vêm ao de cima e os defeitos têm um jeito peculiar de se esconderem.
Tudo na escova nos apaixona, a pequena escova circular que se move a mil à hora. O cabo removível, para quando os filamentos da escova tiverem os seus dias contados.

Contudo, o hábito faz o monge, e após umas semanas, encontramo-nos a desenvolver movimentos frenéticos com a mão. Fartarmo-nos de ficar estacionados perante o espelho, sem esboçar qualquer movimento digno de registo. O acto de escovar os dentes torna-se monótono, sem graça…deixa de haver aquela luta titânica entre o homem e a bactéria.
Voltamos a recordar belos momentos que foram injustamente eliminados do espólio de qualquer casa de banho que se preze: A espuma da pasta de dentes a escorrer pelo queixo, a dor no ante braço no final de uma escovada triunfal, as marcas da guerra reflectidos no espelho sob a forma de salpicos de pasta e saliva.
O ponto de viragem dá-se com a troca da cabeça rotativa. Perdido na secção de higiene e limpeza de um supermercado qualquer, esperançadamente procuramos a recarga substituta.
O preço apresenta-se estupidamente elevado. 3 vezes o preço de um tradicional e quase o mesmo preço do estojo completo. Mergulhados nos cálculos mentais, ouvimos pequenas vozes da velha guarda exclamando: “Estás a ser roubado, volta para nós.” “Agora, até vimos com novas formas ergonómicas com cabeças flexíveis, penetramos nos mesmo sítios que essa malta nova.”
“Até a língua escovamos...Vá lá não sejas parvo.”
E assim, voltamos às origens, e a fase da escova de dentes eléctrica encontra o seu fim.
Por isso, Joaninha…vive apaixonadamente estes momentos, porque em breve serás um pouquinho mais mulher.

Rabbit